quinta-feira, 24 de junho de 2010

Transtornos infantis




O menino que todos dizem “viver no mundo da lua”, a garota triste que está sempre quieta, a outra que é cheia de manias e o garoto irritadiço, que muda de humor como troca de roupa. Eles são tipos comuns na sala de aula, nas festinhas, no parquinho do prédio, e dão o que falar. Comentários e julgamentos estão sempre ao redor dessas crianças e, por trás de cada uma delas, há histórias de insegurança, dificuldades para lidar com afeto e muita falta de informação para o que pode ser diagnosticado como um distúrbio comportamental. Transtorno obsessivo-compulsivo (TOC), depressão, transtorno de déficit de atenção e hiperatividade (TDAH) e transtorno bipolar ainda hoje são doenças pouco conhecidas do público em geral, embora estejam cada vez mais mapeadas pela medicina. São reconhecidas pela Organização Mundial de Saúde (OMS) como distúrbios graves, mas os tratamentos ainda causam polêmica. Há quem afirme que essas doenças são transtornos “da moda” ou até que são invenções da medicina para vender mais remédios. Mas o fato é que, antigamente, não havia pesquisas sobre isso e, muito menos, indicação de tratamento. Essa insegurança tem explicação. Como são doenças psiquiátricas, um diagnóstico sério é aquele feito por meio de uma avaliação clínica completa. Não há exames laboratoriais para identificar a doença. O especialista acompanha os sintomas, que devem ser mais do que esporádicos para caracterizar uma doença.
Uma tristeza aqui, mudança de humor ali, manias e agitação fazem parte do comportamento de qualquer criança. Mas, se passar do controle e permanecerem por um longo período, o primeiro especialista que deve ser consultado é o pediatra, que conhece a história do seu filho e poderá indicar a necessidade de um tratamento com um psiquiatra. Vai ser preciso traçar uma relação de confiança com o novo médico. Se não sentir segurança, consulte mais de um. Afinal, será nas palavras dele que você terá que acreditar daqui em diante. Leia sobre o assunto em sites, revistas e livros, converse com especialistas e livre-se do preconceito. Conhecimento ajudará na hora de decidir, por exemplo, se você dará ou não um remédio como aliado no tratamento. Estudos comprovam que os benefícios que as pílulas causam são bem maiores do que os efeitos colaterais. Vivemos o melhor momento para tratar essas doenças. Afinal, temos muita gente acreditando nelas. A medicação, claro, não resolve tudo sozinha. Amor, carinho e muita paciência são fundamentais para a melhora da criança. Isso também vale quando quem sofre com um desses distúrbios é o colega do seu filho, aquele mesmo que faz a maior bagunça na sua casa. Nem pense em esconder a doença dos professores, dos pais dos amigos mais próximos e até do restante da família. Quando as pessoas sabem da dificuldade, são mais tolerantes e aprendem a respeitar as diferenças. '
Na maioria das vezes, terapia também é indicada. E não só para o seu filho, pode ser que toda a família precise. “E a família não pode se esquecer da terapia. É o psicólogo quem vai ajudar a criança e seus familiares a conviver com a doença”, diz o psiquiatra Joseph Sargeant, professor de neuropsicologia da Universidade de Vrije, em Amsterdã, Holanda.
A seguir, você confere um guia com os principais sintomas, o diagnóstico e o tratamento dos distúrbios mais comuns na infância, e poderá aprender – e ensinar ao seu filho – a melhor maneira de conviver com a doença.

Transtorno Bipolar Seu filho está à tarde em casa, claramente mal-humorado, resiste a tomar banho e nem quer experimentar o lanche. Mas, basta chegar a hora do inglês para ele mudar, se animar. Ao chegar lá, encontra os colegas e fala sem parar, todo feliz. No dia seguinte, a reação dele aos mesmos eventos é oposta. Uma tarde com cenas como essa repetindo-se o resto da semana, pode ser um sintoma de transtorno bipolar, que atinge cerca de 1% da população brasileira. Crianças que sofrem com o transtorno têm uma variação de humor muito brusca entre depressão e euforia, e essa instabilidade pode marcá-las como alguém que não faz planos, que “nunca conclui o que começa”.
PRINCIPAIS SINAIS: na infância, o sinal mais intenso é a irritabilidade. As crianças bipolares se frustram pelas mínimas coisas. Ansiedade extrema, impulsividade, ideias exageradas sobre si mesmas ou mudança rápida de pensamentos também pedem atenção. Outras características surgem durante o desenvolvimento, como a dificuldade de os pais conseguirem acalmar a criança nos primeiros anos de vida, e mudanças de humor conforme os níveis de açúcar no sangue (sem ele fica triste; com ele fica alegre “demais”).
COMO DESCOBRIR: o especialista se baseia na avaliação do paciente e em informações obtidas de familiares e da escola. É uma condição genética, mas há situações que podem “despertar” a doença, como falta de rotina, televisão e internet à disposição 24 horas, poucas horas de sono e, no caso dos adolescentes, uso de álcool e drogas. Os sinais podem ser identificados desde cedo, mas o diagnóstico preciso só é possível a partir dos 7 anos.
O QUE FAZER: apesar do receio dos pais, o uso de medicamentos é a melhor maneira de controlar a doença. Os problemas que o transtorno pode trazer são maiores do que os efeitos colaterais dos medicamentos. De acordo com a Associação Brasileira de Transtorno Bipolar, até 50% dos portadores que não tratam desse mal tentam o suicídio pelo menos uma vez na vida e cerca de 40% se tornam dependentes de drogas. Como nos outros transtornos, outra parte fundamental no tratamento é a terapia. Infelizmente, ainda não há cura.

Depressão Esse diagnóstico é cada vez mais comum nos consultórios pediátricos. As causas dessa doença podem ser muitas, e é isso que dificulta o tratamento. A perda de alguém querido, uma mudança repentina da rotina, de casa ou de escola, a chegada de um irmão e até a falta de tempo para brincar podem causar depressão. Por outro lado, a origem da doença também pode ser genética, hormonal ou neurológica. Quando não tratada pode gerar isolamento social, problemas de aprendizado e timidez excessiva.
PRINCIPAIS SINAIS: a criança perde a vontade de brincar e fica muito desanimada por mais de duas semanas. Pode também não querer sair de casa nem comprar um brinquedo. Sente muito sono e fica irritada, come pouco (ou em muita quantidade), perde o interesse pelo o que gosta, chora à toa, tem dificuldade de se relacionar com os colegas e volta a fazer xixi na cama. E, atentem: isso não tem nada a ver com simplesmente ficar triste. Apesar de os pais quererem evitar o sofrimento dos filhos, é fundamental dar espaço para que eles se frustrem e percebam que precisam enfrentar as adversidades da vida.
COMO DESCOBRIR: a partir dos 4 anos, os especialistas são capazes de diagnosticar a doença, mas ela é mais comum a partir dos 7. Isso acontece porque é nesse período que as obrigações sociais surgem. Se a criança tiver uma rotina sobrecarregada, elas se veem ainda mais cobradas e acabam se sentindo solitárias. Por isso, o diagnóstico precisa da participação da família.
O QUE FAZER: é comum a criança ser acompanhada pelo pediatra, psiquiatra, família e escola. Todos os envolvidos precisam dobrar o carinho para ajudá-la a se curar. Remédios indicados pelo médico podem contribuir para completar o tratamento.

TOC As crianças que sofrem de transtorno obsessivo-compulsivo (TOC) costumam ser extremamente organizadas e com hábitos que as pessoas estranham. Mas, não, isso não basta para caracterizar o distúrbio. Todo mundo tem manias, como não querer pisar na linha da calçada ou organizar as camisetas por cor. Caracteriza-se como doença quando passam a prejudicar a vida de quem o pratica. Os especialistas acreditam que a origem do TOC possa estar relacionada com a genética, com a dinâmica familiar e até com a personalidade.
PRINCIPAIS SINAIS: quem sofre com o TOC dá uma grande importância para aspectos cotidianos. O costume de conferir muitas vezes se a porta está trancada, organizar os livros por ordem de tamanho, não suportar sujeira na roupa etc. Uma ideia invade a cabeça da criança e ela não consegue se livrar enquanto não fizer um determinado ritual. Ela acredita que se não fizer e repetir tal atitude algo ruim acontecerá.
COMO DESCOBRIR: será feito por um psiquiatra por meio da observação da rotina do paciente, de depoimentos da família e dos professores.
O QUE FAZER: além da terapia, alguns especialistas indicam medicamentos. O mais importante, no entanto, é o carinho que todos devem ter com a criança. É importante que a família não faça perguntas excessivas a ela, o que só vai aumentar a intensidade do distúrbio. Os casos de cura são muitos, apesar de algumas atitudes ainda restarem por toda a vida, como o excesso de organização.

Hiperatividade Toda criança tem fases mais irrequietas ou impulsivas. Quando essas características são fortes e
contínuas pode se tratar de transtorno do déficit de atenção e hiperatividade (TDAH). Com influência genética, o transtorno se inicia na infância e pode persistir até a vida adulta. O TDAH é caracterizado por desatenção, hiperatividade e impulsividade. E aparece sobretudo na escola.
PRINCIPAIS SINAIS: eles são muitos. A dificuldade em manter a atenção, estar sempre “a mil”, não conseguir esperar a sua vez, se meter no assunto dos outros estão entre os mais comuns.
COMO DESCOBRIR: apesar de os sintomas serem confundidos com uma criança do tipo “mal-educada”, a alta frequência deles e o fato de prejudicar as principais atividades da vida apontam para o transtorno. Essas sutilezas, só os especialistas são aptos a identificar. O papel dos pais é não deixar que a doença seja desculpa para uma educação sem limites.
O QUE FAZER: é preciso contar com paciência e bons profissionais. Quando os especialistas receitam um medicamento, os pais custam a aceitar. Segundo o psiquiatra Luiz Rohde, coordenador do Programa de TDAH do Hospital das Clínicas de Porto Alegre (RS), mais de 150 estudos mostram que os medicamentos são eficientes. Mas o tratamento vai além das pílulas. Muitas vezes, é preciso reestruturar alguns hábitos da vida familiar e social da criança, como deixar menos a TV ligada ou mudar de escola, por exemplo.

Fontes: Joseph Sargeant, psiquiatra e professor da Clínica de Neuropsicologia da Universidade de Vrije, em Amsterdam (Holanda); Luiz Rohde, psiquiatra e coordenador do Programa de TDAH do Hospital das Clínicas de Porto Alegre (RS); Pilar Lecussan, psiquiatra do Instituto da Criança do Hospital das Clínicas (SP); Evelyn Kuczynski, pediatra do Hospital das Clínicas (SP); Abram Topczewski, neuropediatra do Hospital Albert Einstein (SP); Ênio de Andrade, diretor do Serviço de Psiquiatria do Instituto de Psiquiatria do Hospital das Clínicas (SP); Mauro Muszkat, coordenador do Núcleo de Atendimento Neuropsicológico Infantil da Unifesp (SP); Paulo Mattos, presidente da Associação Brasileira de Déficit de Atenção (RJ), Rita Calegari, psicóloga do Hospital São Camilo (SP) Com informações do site Globo.com - Revista Crescer
Por Bruna Menegueço, Malu Echeverria e Renata Rossi

Nenhum comentário:

Postar um comentário